Decifra-me ou devoro-te

Não existe Esfinge para quem conhece as próprias emoções

Carla
2 min readJul 6, 2023
Grande Esfinge de Gizé

“Decifra-me ou devoro-te”: Eis a saudação apresentada pela Esfinge, na entrada da cidade grega de Tebas. A criatura mitológica, presente em várias culturas da antiguidade, destruía a quem não acertasse o seu enigma.

Usando uma licença poética, gosto de comparar pessoas emocionalmente indisponíveis com a Esfinge. Extremamente inacessíveis, içadas em um pedestal, muito distantes dos reles mortais; fazem jogos psicológicos e manipulam os demais explorando as suas vulnerabilidades, tendo a própria atenção como arma, e a carência alheia, como alvo. Aos outros, cabe a obrigação de adivinhar o que se passa em sua mente, suas necessidades e desejos. Descubra, ou… morra tentando. Decifra-me ou devoro-te…

Recentemente, conheci uma pessoa assim. A princípio, atenção, boa conversa, gostos em comum, flerte… Mas, depois de um tempo, algo parecia estranho. Aparições tão repentinas quanto os sumiços, canetadas acadêmicas em conversas banais, discurso muito divergente das ações, desculpas esfarrapadas. O combo perfeito para gerar angústia em uma personalidade já com fortes traços de neuroticismo e, ainda por cima, em um momento de fragilidade extrema.

Apesar de eu ter perguntado (direta e indiretamente) a ele se havia acontecido alguma coisa — e ter ganhado respostas tão evasivas quanto genéricas; apesar de eu ter dito, abertamente, como eu estava me sentindo — e ter sido convencida de que “nada a ver”; apesar de eu ter chamado-o de Esfinge, por ele ser tão enigmático — e ter ouvido que sou uma “mulher complicada”. Decifra-me ou devoro-te… E eu, escolhendo a segunda opção. (rs)

A princípio, não dei muita importância. Mas, no fundo, eu sentia que havia alguma coisa errada. Os “serás” já haviam tomado conta da minha mente: “Será que eu disse algo de errado? Será que estou sendo muito incisiva? Será que estou me precipitando? Será que eu devo colocar um ponto final nisso?” ̶(̶s̶p̶o̶i̶l̶e̶r̶:̶ ̶s̶i̶m̶)̶ Uma infinidade de questões. Todas, sem resposta.

Até que um dia, eu tive um sonho
Uma voz, imponente e misteriosa, dizendo:

“Não existe Esfinge para quem conhece as próprias emoções.”

O recado foi claro. Claro como um lindo dia ensolarado de verão. Claro, sucinto e preciso. Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, não obstante… Eu não tomei atitude. O meu “lado racional” jamais me perdoaria por isso — e quem já leu “Rápido e Devagar” entende o porquê das aspas.

Eu paguei para ver. E, paguei caro. Com o passar do tempo, descobri que a minha intuição estava certa. Como escreveu Harari, em um dos seus livros, as emoções humanas passaram pelos mais rigorosos testes de qualidade da seleção natural. Irracional é não ouvir o que elas têm a dizer... Afinal, não existe Esfinge para quem conhece as próprias emoções.

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Escritora (de código) nas horas ocupadas.

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